22 de setembro de 2011

“Quem és tu?”, eu queria responder: “Eu sou a palavra de Deus!”.

O mês de setembro, para a Igreja no Brasil, já é sinônimo de MÊS DA BÍBLIA. A redescoberta da Palavra de Deus tem sido um dos elementos mais marcantes da Igreja no Brasil e na América Latina, antes mesmo do Concílio Vaticano II. São conhecidos os famosos círculos bíblicos, os grupos de rua que se contam aos milhares no Brasil. Parece mesmo que Deus realizou sua promessa: “Dias virão - oráculo do Senhor - em que vou mandar a fome sobre o país: não será fome de pão, nem sede de água, e sim fome de ouvir a Palavra de Javé” (Am 8, 11).

São Jerônimo, presbítero e doutor, cuja memória celebramos dia 30 de setembro, dizia que “Desconhecer as Escrituras é desconhecer o Cristo”. A convicção de que o conhecimento da Palavra de Deus é indispensável para a maturidade da fé cristã, levou o Concílio Vaticano II a fazer uso desta expressão no documento sobre a Revelação (DV 25).

Os apelos sobre o amor à Palavra de Deus são tantos na Bíblia. Vale a pena relembrar a famosa passagem do Deuteronômio: “Ouvi, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor... Que estas palavras que hoje te ordeno estejam gravadas em teu coração! Tu as inculcarás aos teus filhos, e delas falaras sentado em tua casa e andando em teu caminho, deitado e de pé. Tu as atarás também à tua mão como um sinal, e serão como um frontal entre teus olhos; tu as escreverás nas entradas da tua casa e nos portões da tua cidade” (Dt 6, 4-7; 32, 46-47). A exortação é ter a Palavra de Deus sempre presente em cada momento da vida. Claro, não se trata di mero conhecimento da Palavra de Deus. Ela precisa ser gravada no coração para servir de orientação na vida, como o próprio Jesus lembra na parábola de Mt 7, 21ss, para que possamos construir o projeto de nossa vida sobre base solida. Sem isso se perde o objetivo da Palavra que é a utilidade instrumental, como bem sublinha Paulo a Timóteo: em primeiro lugar “ela tem o poder de comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo”. Por isso mesmo, ela se apresenta “útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça”. E esta utilidade instrumental, segundo São Paulo, se explicita num objetivo bem preciso: “a fim de que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra” (2Tm 3, 15-17). É a Palavra em vista da transformação do ouvinte em praticante, do seguidor em testemunha, do discípulo em missionário.

Chiara Lubich, grande testemunha da vivência da Palavra que, bem antes do Concílio Vaticano II ritmou sua vida com a leitura da Palavra de Deus (método da Palavra de vida), podia afirmar: “É o maior esforço da minha vida viver a Palavra, ser a palavra, a Palavra de Deus. Se você me perguntar: “Quem és tu?”, eu queria responder: “Eu sou a palavra de Deus!”. Ser a palavra, como Jesus é a Palavra, como o prólogo do evangelho de João o afirma com todas as letras (Jo 1,1-5.10-14) e o próprio povo se admirava com as palavras de Jesus e com Jesus Palavra (Mt 7, 28-29), pois nele, pessoa e palavra, coincidem numa perfeita identidade: Jesus é a Palavra.

Tornar-se palavra, ser a palavra: encarnar a palavra, como nos sugere Tiago em sua carta, pois a mera escuta da palavra, sem vivenciá-la, é a ilusão de quem se olha no espelho e vá embora esquecendo seu próprio semblante (Tg 1,22-24). Ser a palavra: é a conseqüência de quem “ouve a palavra e a põe em prática” (Mt 7, 24).

Num mundo agitado e barulhento como o nosso nem sempre é possível o encontro seeno e tranqüilo com a Palavra. Portanto a presença de Deus só pode ser percebida na “brisa suave” (1Rs 19,12): tantos as distrações quanto as preocupações, que não faltam no dia a dia, podem ser um verdadeiro entrave à escuta da Palavra, como testemunha Mt 13,1-9, onde a palavra se torna parábola, história que nos faz descobrir uma dimensão mais profunda, que confere ao cotidiano toda a espessura da vida real: a semente espalhada como chuva cai apenas parcialmente em terra boa, onde irá dar frutos, em grande parte se perde no terreno seco, ou entre as pedras ou entre espinhos.

Terreno seco, pedras e espinhos: problemas de todos e de sempre, essencialmente os mesmos que há dois mil anos atrás. Pode-se perguntar de onde vem o encanto dessa e doutras histórias, ainda vivas após dois mil anos em um mundo mudado radicalmente. A resposta, paradoxalmente, está no fato de que elas não mostram circunstâncias extraordinárias, mas sempre a partir dos pequenos problemas em que nos encontramos presos ou que conhecemos e que hoje também poderiam nos afetar.

Mas desta parábola, podemos deduzir também outra coisa. Por exemplo, que Deus não se desinteressa pelos homens; o fato de que lhes dirija sua palavra demonstra que Ele tem cuidado de nos orientar para o bem, afim de que, como se expressa Paulo a Timóteo, o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra” (2Tm 3, 15-17): a Palavra tem uma finalidade prática, como é afirmado, por exemplo, pela coleta da Missa do 15º domingo do tempo comum: "Aumentai em nós, ó Pai, com o poder do vosso Espírito, a disponibilidade para acolher a semente de vossa palavra, que continuais a semear sobre toda a humanidade, para que frutifique em obras de justiça e de paz e revele ao mundo a bendita esperança do vosso reino”. O resultado da fiel escuta da Palavra é dar fruto “em obras de justiça e de paz ”. A escuta da Palavra exige uma resposta produtiva, pois faz apelo à nossa responsabilidade pessoal para a construção do Reino. É preciso dilatar o coração para acolher a Palavra e levá-la para a vida, tranformá-la em exemplo vivo produzindo na ordem de “cem, sessenta e trinta frutos por um” (MT 13, 9): contando com a graça de Deus, que sustenta o nosso zelo pela Palavra, possamos produzir sempre... cem frutos por um, não nos conformandos com a mediocridade e o minimalismo de nossa vida espiritual!

Dada a importância para a fé e a vida cristã, o Documento de Aparecida lembra que “é necessário educar o povo na leitura e meditação da Palavra; que ela se converta em seu alimento para que, por experiência própria, vejam que as palavras de Jesus são espírito e vida”, pois “É preciso fundamentar nosso compromisso missionário na Rocha da Palavra de Deus” (247).

A Palavra de Deus constitui um dos pontos de partida decisivo para o encontro com Jesus Cristo. Isso porque, lendo, conhecendo e meditando a Palavra, o cristão é convidado a ir além dela para realizar o encontro com a Palavra, que e a pessoa de Jesus. Segundo São Tomás de Aquino, mais do que as palavras da Bíblia somos instados a procurar a Palavra que constitui o centro de toda a Bíblia. Hugo de São Victor, como já tinha feito Santo Agostinho, coloca a pessoa de Jesus como ponto de convergência dos dois Testamentos: “Toda a Sagrada Escritura constitui em um só livro, e este livro único é Cristo no mistério, porque toda a Divina Escritura fala de Cristo e se realiza em Cristo”.

Aconteça em nos o que São Jerônimo afirmava com toda convicção: “Comemos e bebemos o Sangue de Cristo no mistério (da Eucaristia), mas também na leitura das Escrituras ... para mim, penso que o Evangelho é o corpo de Cristo”: a Palavra como alimento cotidiano, verifica constante da nossa configuração com Cristo e do nosso progresso no caminho as santidade!

Para refletir:

- A Igreja pede que todos os fieis, “mormente os religiosos, aprendam ‘a eminente ciência de Jesus Cristo’ (Fl 3,8) com a leitura freqüente das Divinas Escrituras” (DV 25).

- O discípulo que, por amor a Jesus, pretende se tornar missionário, não pode prescindir de uma “escuta religiosa da Palavra de Deus” (DV 1).

- Qual é o lugar que a Palavra de Deus ocupa em minha vida?

“No silêncio da noite medito tua palavra... Levanto-me no meio da noite para ler tua palavra ... Acho consolo em tua palavra ... Meditarei tua palavra ... Desejo tua palavra ... Tua palavra faz minhas delícias dia e noite medito tua palavra ... Tua palavra é lâmpada para os meus pés, é luz para o meu caminho” (Salmo 119).

Pe. Vicente Frisullo, O.SS.T.

Pároco

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