15 de outubro de 2011

“A Igreja é por sua natureza missionária” (AG, 2)


O mês missionário nos oferece a oportunidade de refletir sobre uma das dimensões fundamentais da nossa fé e vocação cristã que se fundamentam na natureza da própria Igreja, na qual somos inseridos pelos sacramentos da Iniciação cristã. “A Igreja é por sua natureza missionária” (AG, 2). Esta afirmação é conseqüência do fato de a Igreja ser “sacramento universal de salvação” (LG 1; 48). Sendo assim, o serviço mais precioso que ela pode prestar à humanidade, e a cada pessoa individualmente em busca das profundas raízes da existência humana, é o anúncio do Evangelho.

Esta finalidade - lembra Bento VI na sua mensagem para o 85º dia mundial das missões - é continuamente renovada pela celebração litúrgica, que se conclui sempre fazendo ressoar o mandato de Jesus ressuscitado aos Apóstolos: “Ide ...” (Mt 28,19; Mc 16,15).

A liturgia é sempre um chamamento ‘do mundo’ e um envio ‘ao mundo’”. Pois, se a fé é um encontro com Cristo vivo, devemos ser “vigilantes e prontos para reconhecer o seu rosto e correr a levar aos nossos irmãos o grande anúncio: ‘Vimos o Senhor’” (Novo millennio ineunte, 59). Isso, porque, em vista do “Ide ...”, o Evangelho não é um bem exclusivo de quem o recebe, mas constitui uma dádiva a compartilhar, uma boa-notícia a comunicar: somos Igreja por isso.

A Igreja é por sua natureza missionária”: está é “a graça e a vocação própria ... ela existe para evangelizar” (Evangelii nuntiandi, 14): nesta missão, estão envolvidas todas as suas atividades. Daí a ação missionária da Igreja e de cada batizado não se limitar a alguns momentos como o mês missionário ou a jornada mundial das missões. Mas, quais são os fundamentos bíblicos da missão?

A Bíblia mostra que o Deus que criou a humanidade é o mesmo Deus que elegeu o povo de Israel. Ele é o Senhor de toda a história e de todos os povos. Nesse horizonte o povo de Israel, eleito, desempenha a função de testemunha do Deus único e verdadeiro diante dos outros povos.

Entretanto, também os outros povos têm uma própria história dirigida pelo mesmo Deus; também eles têm uma Lei que não é aquela de Moisés, mas aquela de Noé. O encontro entre Israel e as nações é importante para reconhecer que também elas possuem uma luz, indo na direção de Jerusalém (Is 60), ou na direção do Messias (Mt 2,1-12), porque para elas Deus indicou um caminho a seguir (Mt 2, 9-10) e nelas estão presentes as sementes do Verbo.

No AT não se encontra o termo missão, mas a idéia está claramente expressa no verbo shalah “enviar/mandar” que ocorre inúmeras vezes. Na maioria das vezes o verbo shalah indica o “envio de alguém” com a função definida de mensageiro. Significativo e importante é o envio dos profetas, os mensageiros de Deus, entre os quais emerge a figura de Moisés.

A “missão” dos profetas
Deus nunca deixou seu povo abandonado, sem a sua palavra: “Desde o dia em que vossos pais saíram da terra do Egito até hoje, enviei-vos todos os meus servos, os profetas; cada dia os enviei, incansavelmente” (Jr 7,25). Deus de Israel, manifesta sua solicitude constante para com seu povo enviando os seus servos, os profetas, mas o povo nem sempre os aceita: desde a saída do Egito e da constituição da Aliança o povo de Israel não obedece à voz do seu Deus! Também Jeremias, no discurso pronunciado no templo de Jerusalém, lembrando esta solicitude divina de enviar profetas (7,25), lembra também a triste e conhecida indisposição do povo: “Eles não me escutaram nem prestaram ouvidos, mas endureceram a sua cerviz e foram piores do que seus pais. Tu dirás a eles todas estas palavras, mas eles não te escutarão!” (7,26-28).

Mas há também outro problema: os próprios enviados têm dificuldade em relação à missão: Moisés exige sinais para dar credibilidade à sua missão (Ex 3,11ss.), tenta rejeitá-la (Ex 4,13), ou se queixa com amargura pelas dificuldades que ela acarreta (Ex 5,22); Jeremias coloca objeções antes de aceitar (Jr 1,6), e é bem conhecida a tentativa de Jonas de fugir da missão, e isso é constante; somente em Isaías encontramos uma pronta disponibilidade: “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8).

O fato de Israel ser depositário das promessas de Deus se exprime através do conceito de eleição, que é uma convicção constitutiva da fé de Israel. O texto clássico que considera esta eleição como ato gratuito de Deus, que exige reciprocidade da parte do povo é Dt 7,6-8: “Você é um povo consagrado a Javé seu Deus: foi a você que Javé seu Deus escolheu para que pertença a ele como povo próprio, entre todos os povos. Se Javé se afeiçoou a vocês e os escolheu, não é porque vocês são os mais numerosos entre todos os outros povos! Foi por amor a vocês e para manter a promessa que ele jurou aos antepassados de vocês”. Os profetas pré-exílicos conhecem e apelam continuamente para a eleição (Am 3,2).

Mas, eleição por que e em vista de que? O Déutero-Isaías (Is 42,1) aplica esta eleição ao povo inteiro e indica claramente que ela não pode ser separada da missão: Israel diante das nações é sinal/testemunha de Javé, pois tem a missão de torná-lo conhecido como o único e verdadeiro Deus que salva (Is 43,10.12; 44,8).

Isso acaba levando à abertura aos pagãos, como mostra a censura ao nacionalismo religioso exagerado do livro de Jonas, e à tradução da Bíblia para o grego, iniciativa do judaísmo alexandrino que toma a consciência de ser povo testemunha no meio das nações pagãs (Sb 13-15): é a leitura da eleição como missão. Israel é investido da missão de ser luz das nações, para que elas encontrem a salvação. É justamente diante deste perigo - os povos pagãos podem se perder - que os profetas, apesar dos temores, rejeição e até recusa, terminam por aceitar a missão, pois têm a certeza da presença de Deus: “Vai, eu estou contigo” (Ex 3,12).

Quando a Igreja afirma que ela é “por sua natureza missionária” é porque se coloca nesta linha de sinal para os povos, assim como Israel era um sinal para os gentios. Neste sentido, a missão não é uma tarefa opcional, mas uma parte integrante da identidade cristã (DAp, 144).

Como o povo de Israel, assim a Igreja é um estandarte, sinal (veluti sacramentum, LG 1) no meio das nações para sinalizar a salvação. Se a Igreja é “por sua natureza missionária”, também o batizado nasce missionário: em cada batismo nasce um missionário. Todos nascemos daquele “Ide ...”, a Igreja e todos nós, seus membros.

Pe. Vicente Frisullo, O.SS.T.
Pároco

Para a reflexão
- A missão é uma questão de espírito: sentir a urgência do anúncio de Jesus Cristo como único Salvador. Foi este “sentir com a Igreja” o ardor missionário que fez de Santa Terezinha a padroeira das missões, mesmo sem nunca sair do mosteiro.
- Qual é a minha preocupação com o anúncio de Jesus Cristo? Qual é a minha participação ... ânsia, oração, sacrifício para o sucesso desta missão da Igreja no mundo?

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